segunda-feira, 25 de abril de 2011

BELÉM, DOMINGO, 17 DE ABRIL DE 2011 O LIBERAL ATUALIDADES 􀂄 15
Veja desmascara esquema de Jader Barbalho. Página 16. CIDADES
Para alguns dos
sobreviventes,
número de
mortos pode ser
ainda maior
Massacre de 19 sem-terra faz 15 anos
Um dos mais tristes capítulos
da história contemporânea
do Pará completa
15 anos hoje. O massacre de
Eldorado do Carajás, ocorrido
no dia 17 de abril de 1996,
que deixou um saldo de 19
trabalhadores sem-terra
mortos e uma centena de feridos
por tiros disparados por
uma tropa da Polícia Militar,
ainda representa um nó na
garganta de sobreviventes da
chacina e coloca o Estado em
posição de destaque no rol da
impunidade, reforçando a terrível
pecha de “terra sem lei”.
Ironicamente, os dois únicos
apontados como responsáveis
pela carnificina, o coronel Mário
Colares Pantoja e o major
José Maria Pereira de Oliveira,
condenados pela Justiça paraense
a 228 e 158 anos de prisão,
respectivamente, jamais
colocaram os pés na cadeia,
permanecendo até hoje livres,
à espera de julgamentos de
intermináveis recursos nas
instâncias superiores.
Às famílias das vítimas e
aos sobreviventes do massacre,
resta apenas a luta pela
punição dos culpados, cada
vez mais distante, e a ferida
jamais cicatrizada diante da
perda dos entes queridos.
Para relembrar a chacina dos
19 trabalhadores, as famílias
sobreviventes da tragédia lançaram
esta semana um manifesto
dirigido à sociedade e
aos governos, lembrando a
impunidade dos responsáveis
pela operação da Polícia Militar
que deixou ainda sequelas
em 69 agricultores.
Uma lista de reivindicações
também acompanha o
manifesto, entre elas, a reforma
agrária imediata, um programa
para assentamento de
100 mil famílias acampadas
em todo o País, plano de reestruturação
do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) e justiça e reparação
política e econômica
às famílias dos mortos, bem
como um plano de julgamento
por parte do Tribunal de
Justiça (TJ) do Estado para os
casos que esperam julgamentos
de mandantes e assassinos
de trabalhadores semterra,
indígenas e militantes
sindicais e religiosos.
MEMÓRIA
Até hoje, o massacre da
curva do S ainda está vivo na
memória dos moradores do Assentamento
17 de abril. Naquela
tarde, dezenas de famílias
de agricultores se reuniram
para pressionar novamente o
governo do Estado a interceder
pela desapropriação das terras
situadas dentro de 15 fazendas
CONFLITO
Apesar de toda
a repercussão
internacional,
ninguém foi preso
do complexo Macaxeira. No dia
anterior, 16 de abril de 1996, os
colonos haviam interditado a
PA-150, mas os mesmos semterra
já haviam liberado a estrada,
depois da promessa de
diálogo com o governo Almir
Gabriel, à época, governador
do Estado.
Como até o final da manhã
não havia chegado ao ao local
o ônibus prometido pelo governo
para levar os agricultores
a Belém, os mesmos resolveram
interditar novamente a
rodovia, à altura da curva do
S. “Foi a tarde mais sangrenta
da minha vida”, recorda Haroldo
Jesus de Oliveira. “Acordamos
felizes naquela manhã
do dia 17, pois o coronel Pantoja,
junto a uma comissão
do governador Almir Gabriel,
disse que daria os ônibus para
que prosseguíssemos até
Belém, onde pressionaríamos
o governo pela desapropriação
dessas terras. Inclusive,
já tínhamos desobstruído
a rodovia na noite anterior,
pois esse era nosso acordo,
além da alimentação para as
famílias que participavam da
marcha”, diz Oliveira.
Ao invés de transporte
para as famílias, no meio da
tarde, chegou ao local um
ônibus da Polícia Militar,
com ordens expressas do
governo para desobstruir a
estrada. A partir de então,
iniciou-se a carnificina que
não poupou nem mesmo
mulheres e crianças. Segundo
relatos de sobreviventes,
além dos 19 agricultores
mortos no massacre, outro
colono foi espancado até a
morte pela Polícia Militar,
em frente ao hospital municipal
de Curionópolis, para
onde fori levada a maioria
CPT diz que em quatro décadas, mais de 800 pessoas foram mortas
dos feridos.
De acordo com o relato de
sobreviventes, momentos antes
do avanço da tropa da PM,
um homem se aproximou do
grupo de sem-terra dizendo
que atravessaria um caminhão
na estrada para ajudar
no manifesto. Para os agricultores,
o homem foi orientado
pela própria polícia a atravessar
o carro na rodovia, para
servir de escudo para a PM e
ofuscar a visão dos colonos.
DISCORDÂNCIA
Passados 15 anos do massacre,
até hoje os sobreviventes
relutam em concordar
com o número oficial de vítimas
divulgado pelo governo
do Estado. Muitos afirmam
que o número de mortos é
bem maior, uma vez que depois
da chacina, muitas mulheres
e crianças desapareceram
de Curionópolis. Para o
advogado José Batista Afonso,
coordenador da Comissão
Pastoral da Terra em Marabá,
o caso Eldorado é um exemplo
da difícil luta pela justiça em
relação aos crimes no campo
no Estado do Pará.
“Nem a pressão nacional
e internacional foi suficiente
para afastar a impunidade
dos executores e mandantes.
A instrução processual
expôs a contestável atuação
da Justiça paraense na busca
das provas para a condenação
dos culpados”, lamenta o
advogado.
Batista ressalta ainda que
após a anulação do julgamento
presidido pelo então juiz
Ronaldo Valle, numa reação
nunca vista nos tribunais
brasileiros, todos os juízes
da capital se negaram a assumir
o processo e a presidir o
próximo julgamento. “A juíza
que aceitou presidir o segundo
julgamento foi obrigada a
se afastar do processo dias
antes da realização do segundo
júri, devido ter determinado
a retirada do processo de
um laudo pericial sobre a fita
gravada no dia do massacre.
Era a principal prova contra
os acusados”, frisa o advogado
da CPT.
Inconformado com a lentidão
na condução do processo,
Batista lamenta que o caso
venha se arrastando há nove
anos, entre o TJ do Pará e o
Superior Tribunal de Justiça
(STJ), para julgamento dos recursos
de apelação e recurso
especial, interpostos pela defesa
dos acusados. “Enquanto
isso, os dois únicos condenados
continuam livres graças a
uma decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal). Lamentavelmente,
não existe nenhuma
previsão de quando os
dois condenados iniciarão o
cumprimento da pena”, relata
o advogado.
CARLOS BORGES - O LIBERAL
Militantes do Movimento Sem Terra lembram todos os anos o incidente ocorrido em Eldorado do Carajás
De acordo com dados
fornecidos pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), nas
últimas quatro décadas, foram
registrados mais de 800
assassinatos no campo, sendo
que deste total, apenas 18
casos foram a júri popular,
resultando na condenação
de oito mandantes. Destes,
apenas um: Vitalmiro Bastos
de Moura, o “Bida”, acusado
de ser um dos mandantes
do homicídio da missionária
americana Doroty Stang, encontra-
se preso cumprindo
pena.
Historicamente, os conflitos
pela posse da terra sempre
marcaram a história das
regiões sul e sudeste do Pará,
uma vez que nem mesmo o
massacre de Eldorado do Carajás
interrompeu o ciclo de
violência contra os trabalhadores.
Nesses 15 anos após
o massacre, 459 fazendas
foram ocupadas por 75.841
famílias sem-terra em todo
o Estado.
A reação do latifúndio
continuou tão violenta quanto
antes. Foram registrados
205 assassinatos nesse período,
sendo a maioria absoluta
na região sudeste do Pará,
onde existem hoje cerca de
130 fazendas ocupadas por
aproximadamente 25 mil famílias
sem-terra à espera de
assentamento, abrangendo
uma área superior a um milhão
de hectares.
De acordo com os números
de movimentos sociais e
entidades da região, as pressões
pós massacre forçaram
o governo federal a intensificar
as ações de reforma agrária
na região.
Nos seis anos seguintes
ao massacre (1997 a 2002) foram
criados 245 projetos de
assentamentos e assentadas
38.295 famílias, uma média
de 6.382 famílias por ano.
Já nos últimos oito anos, o
ritmo de assentamentos diminuiu,
pois foram criados
apenas 133 assentamentos e
assentadas apenas 13.185 famílias.
Uma média de 1.648
famílias por ano.
“De 2007 pra cá foram
criados apenas 18 projetos
de assentamentos e assentadas
1.575 famílias no sul
e sudeste do Pará. Isso atesta
a total falência da reforma
agrária na região”, desabafa
o coordenador da CPT, José
Batista.
EVANDRO CORRÊA
Monumento na Curva do S homenageia os trabalhadores rurais mortos em confronto com a Polícia Militar
EVANDRO CORRÊA
Marabá
ELIVALDO PAMPLONA-ARQUIVO O LIBERAL
Fazendeiro Vitalmiro de Moura é um dos presos por crime em disputa de terra



BELÉM, DOMINGO, 17 DE ABRIL DE 2011 O LIBERAL ATUALIDADES 􀂄 15
Veja desmascara esquema de Jader Barbalho. Página 16. CIDADES
Para alguns dos
sobreviventes,
número de
mortos pode ser
ainda maior
Massacre de 19 sem-terra faz 15 anos
Um dos mais tristes capítulos
da história contemporânea
do Pará completa
15 anos hoje. O massacre de
Eldorado do Carajás, ocorrido
no dia 17 de abril de 1996,
que deixou um saldo de 19
trabalhadores sem-terra
mortos e uma centena de feridos
por tiros disparados por
uma tropa da Polícia Militar,
ainda representa um nó na
garganta de sobreviventes da
chacina e coloca o Estado em
posição de destaque no rol da
impunidade, reforçando a terrível
pecha de “terra sem lei”.
Ironicamente, os dois únicos
apontados como responsáveis
pela carnificina, o coronel Mário
Colares Pantoja e o major
José Maria Pereira de Oliveira,
condenados pela Justiça paraense
a 228 e 158 anos de prisão,
respectivamente, jamais
colocaram os pés na cadeia,
permanecendo até hoje livres,
à espera de julgamentos de
intermináveis recursos nas
instâncias superiores.
Às famílias das vítimas e
aos sobreviventes do massacre,
resta apenas a luta pela
punição dos culpados, cada
vez mais distante, e a ferida
jamais cicatrizada diante da
perda dos entes queridos.
Para relembrar a chacina dos
19 trabalhadores, as famílias
sobreviventes da tragédia lançaram
esta semana um manifesto
dirigido à sociedade e
aos governos, lembrando a
impunidade dos responsáveis
pela operação da Polícia Militar
que deixou ainda sequelas
em 69 agricultores.
Uma lista de reivindicações
também acompanha o
manifesto, entre elas, a reforma
agrária imediata, um programa
para assentamento de
100 mil famílias acampadas
em todo o País, plano de reestruturação
do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) e justiça e reparação
política e econômica
às famílias dos mortos, bem
como um plano de julgamento
por parte do Tribunal de
Justiça (TJ) do Estado para os
casos que esperam julgamentos
de mandantes e assassinos
de trabalhadores semterra,
indígenas e militantes
sindicais e religiosos.
MEMÓRIA
Até hoje, o massacre da
curva do S ainda está vivo na
memória dos moradores do Assentamento
17 de abril. Naquela
tarde, dezenas de famílias
de agricultores se reuniram
para pressionar novamente o
governo do Estado a interceder
pela desapropriação das terras
situadas dentro de 15 fazendas
CONFLITO
Apesar de toda
a repercussão
internacional,
ninguém foi preso
do complexo Macaxeira. No dia
anterior, 16 de abril de 1996, os
colonos haviam interditado a
PA-150, mas os mesmos semterra
já haviam liberado a estrada,
depois da promessa de
diálogo com o governo Almir
Gabriel, à época, governador
do Estado.
Como até o final da manhã
não havia chegado ao ao local
o ônibus prometido pelo governo
para levar os agricultores
a Belém, os mesmos resolveram
interditar novamente a
rodovia, à altura da curva do
S. “Foi a tarde mais sangrenta
da minha vida”, recorda Haroldo
Jesus de Oliveira. “Acordamos
felizes naquela manhã
do dia 17, pois o coronel Pantoja,
junto a uma comissão
do governador Almir Gabriel,
disse que daria os ônibus para
que prosseguíssemos até
Belém, onde pressionaríamos
o governo pela desapropriação
dessas terras. Inclusive,
já tínhamos desobstruído
a rodovia na noite anterior,
pois esse era nosso acordo,
além da alimentação para as
famílias que participavam da
marcha”, diz Oliveira.
Ao invés de transporte
para as famílias, no meio da
tarde, chegou ao local um
ônibus da Polícia Militar,
com ordens expressas do
governo para desobstruir a
estrada. A partir de então,
iniciou-se a carnificina que
não poupou nem mesmo
mulheres e crianças. Segundo
relatos de sobreviventes,
além dos 19 agricultores
mortos no massacre, outro
colono foi espancado até a
morte pela Polícia Militar,
em frente ao hospital municipal
de Curionópolis, para
onde fori levada a maioria
CPT diz que em quatro décadas, mais de 800 pessoas foram mortas
dos feridos.
De acordo com o relato de
sobreviventes, momentos antes
do avanço da tropa da PM,
um homem se aproximou do
grupo de sem-terra dizendo
que atravessaria um caminhão
na estrada para ajudar
no manifesto. Para os agricultores,
o homem foi orientado
pela própria polícia a atravessar
o carro na rodovia, para
servir de escudo para a PM e
ofuscar a visão dos colonos.
DISCORDÂNCIA
Passados 15 anos do massacre,
até hoje os sobreviventes
relutam em concordar
com o número oficial de vítimas
divulgado pelo governo
do Estado. Muitos afirmam
que o número de mortos é
bem maior, uma vez que depois
da chacina, muitas mulheres
e crianças desapareceram
de Curionópolis. Para o
advogado José Batista Afonso,
coordenador da Comissão
Pastoral da Terra em Marabá,
o caso Eldorado é um exemplo
da difícil luta pela justiça em
relação aos crimes no campo
no Estado do Pará.
“Nem a pressão nacional
e internacional foi suficiente
para afastar a impunidade
dos executores e mandantes.
A instrução processual
expôs a contestável atuação
da Justiça paraense na busca
das provas para a condenação
dos culpados”, lamenta o
advogado.
Batista ressalta ainda que
após a anulação do julgamento
presidido pelo então juiz
Ronaldo Valle, numa reação
nunca vista nos tribunais
brasileiros, todos os juízes
da capital se negaram a assumir
o processo e a presidir o
próximo julgamento. “A juíza
que aceitou presidir o segundo
julgamento foi obrigada a
se afastar do processo dias
antes da realização do segundo
júri, devido ter determinado
a retirada do processo de
um laudo pericial sobre a fita
gravada no dia do massacre.
Era a principal prova contra
os acusados”, frisa o advogado
da CPT.
Inconformado com a lentidão
na condução do processo,
Batista lamenta que o caso
venha se arrastando há nove
anos, entre o TJ do Pará e o
Superior Tribunal de Justiça
(STJ), para julgamento dos recursos
de apelação e recurso
especial, interpostos pela defesa
dos acusados. “Enquanto
isso, os dois únicos condenados
continuam livres graças a
uma decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal). Lamentavelmente,
não existe nenhuma
previsão de quando os
dois condenados iniciarão o
cumprimento da pena”, relata
o advogado.
CARLOS BORGES - O LIBERAL
Militantes do Movimento Sem Terra lembram todos os anos o incidente ocorrido em Eldorado do Carajás
De acordo com dados
fornecidos pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), nas
últimas quatro décadas, foram
registrados mais de 800
assassinatos no campo, sendo
que deste total, apenas 18
casos foram a júri popular,
resultando na condenação
de oito mandantes. Destes,
apenas um: Vitalmiro Bastos
de Moura, o “Bida”, acusado
de ser um dos mandantes
do homicídio da missionária
americana Doroty Stang, encontra-
se preso cumprindo
pena.
Historicamente, os conflitos
pela posse da terra sempre
marcaram a história das
regiões sul e sudeste do Pará,
uma vez que nem mesmo o
massacre de Eldorado do Carajás
interrompeu o ciclo de
violência contra os trabalhadores.
Nesses 15 anos após
o massacre, 459 fazendas
foram ocupadas por 75.841
famílias sem-terra em todo
o Estado.
A reação do latifúndio
continuou tão violenta quanto
antes. Foram registrados
205 assassinatos nesse período,
sendo a maioria absoluta
na região sudeste do Pará,
onde existem hoje cerca de
130 fazendas ocupadas por
aproximadamente 25 mil famílias
sem-terra à espera de
assentamento, abrangendo
uma área superior a um milhão
de hectares.
De acordo com os números
de movimentos sociais e
entidades da região, as pressões
pós massacre forçaram
o governo federal a intensificar
as ações de reforma agrária
na região.
Nos seis anos seguintes
ao massacre (1997 a 2002) foram
criados 245 projetos de
assentamentos e assentadas
38.295 famílias, uma média
de 6.382 famílias por ano.
Já nos últimos oito anos, o
ritmo de assentamentos diminuiu,
pois foram criados
apenas 133 assentamentos e
assentadas apenas 13.185 famílias.
Uma média de 1.648
famílias por ano.
“De 2007 pra cá foram
criados apenas 18 projetos
de assentamentos e assentadas
1.575 famílias no sul
e sudeste do Pará. Isso atesta
a total falência da reforma
agrária na região”, desabafa
o coordenador da CPT, José
Batista.
EVANDRO CORRÊA
Monumento na Curva do S homenageia os trabalhadores rurais mortos em confronto com a Polícia Militar
EVANDRO CORRÊA
Marabá
ELIVALDO PAMPLONA-ARQUIVO O LIBERAL
Fazendeiro Vitalmiro de Moura é um dos presos por crime em disputa de terra

Nenhum comentário:

Postar um comentário