segunda-feira, 25 de abril de 2011

"A questão mais importante de qualquer revolução é sem dúvida a questão do poder de estado. Nas mãos de que classe está o poder, isso é o que decide tudo." (Vladimir Ilitch - Lenin)
Proletariado ao Poder!!!

Mudança de rumo na Vale

Sob o comando de Murilo Ferreira, a maior mineradora de ferro do mundo irá reforçar projetos de longo prazo e buscará resultados de forma mais alinhada aos acionistas

Por Tatiana Bautzer e Ralphe Manzoni Jr.

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Confira entrevista com o redator-chefe da Istoé DINHEIRO, Clayton Netz

Quando assumir o timão da Vale na segunda quinzena de maio, o administrador de empresas Murilo Pinto de Oliveira Ferreira, 58 anos, terá a missão de fazer mudanças estratégicas na rota da maior empresa privada brasileira e, ao mesmo tempo, manter sua trajetória de crescimento e alta rentabilidade. Aparentemente, são desafios antagônicos, principalmente para uma companhia em que os controladores indicavam ter visões diferentes sobre como a mineradora deveria ser gerida. De um lado, o bloco vinculado ao governo ? representado pelo BNDES e pelos fundos de pensão das estatal, como a Previ ?, que pressionava a companhia por mais investimentos no País, notadamente na área de siderurgia.
De outro, a Bradespar, do Bradesco, e a japonesa Mitsui, mais afinados com a gestão baseada em resultados financeiros do atual presidente da Vale, Roger Agnelli, coroada pelo espetacular lucro de R$ 30,1 bilhões em 2010, o maior da história da mineradora. Qual será o destino da Vale sob o comando de Ferreira? Essa é a pergunta que o mercado quer ver respondida.
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"Vamos discutir os planos dos acionistas e executar da melhor forma possível,
bem ao estilo mineiro" Murilo Ferreira, presidente indicado da Vale
Em entrevista à DINHEIRO, de sua casa do Leblon, no Rio de Janeiro, Ferreira, nascido em Uberaba(MG), respondeu com muita diplomacia, mas deixou claro seus objetivos à frente da mineradora. ?Vamos discutir o plano dos acionistas para a empresa e executar da melhor forma possível, bem ao estilo mineiro?, disse ele.
A primeira declaração pública de Ferreira, que assume o posto no final de maio, diz muito sobre o destino da Vale daqui para frente. Ao contrário de Agnelli, executivo que personificou o desempenho da mineradora e lutou com afinco até o último momento para se manter no comando, Ferreira, que trabalhou durante 11 anos na mineradora, tem um estilo mais discreto, participativo e conciliador. Ele chega ao poder com uma missão definida pelos acionistas, antecipada à DINHEIRO por um representante do bloco de controle da mineradora.
?É preciso uma visão estratégica que avalie os investimentos da empresa, não apenas com o olho no resultado do trimestre seguinte?, diz esse acionista. ?Essa mentalidade de banqueiro de Wall Street, que existia na companhia, não vai continuar.? Isso não quer dizer que a Vale vá fazer uma opção preferencial pela mediocridade e deixe de produzir os resultados extraordinários dos últimos anos. "A Vale tem de se posicionar como uma grande multinacional brasileira, com seu valor de mercado preservado e gerando lucros?, afirma. ?Mas precisa também atuar em grandes projetos importantes para o País.?
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O recado é bastante direto. A indicação de Ferreira para assumir a presidência da Vale ? atribuída à presidente Dilma Rousseff, mas também aceita pelos acionistas privados como o Bradesco ? representa um alinhamento estratégico da companhia com o bloco liderado pelo governo, que para o bem ou para o mal, detém mais de 60% do capital com direito a voto.
?Se o Conselho da Vale e os fundos de pensões, que têm forte participação na empresa entendem que tem de mudar, precisamos ver isso com naturalidade?, afirmou o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Lula lembrou também que a indicação de Agnelli em 2001, até então um executivo em ascensão no Bradesco, mas pouco conhecido, só foi possível graças a um acordo semelhante, que incluiu o governo da época e os acionistas privados.
A volta de Ferreira, que havia se desligado em 2008, formalizada pela Vale na noite de segunda-feira 4, foi tratada como segredo de Estado, tanto que sua escolha foi considerada uma surpresa na bolsa de apostas do mercado. Nela, o ungido seria o executivo Tito Botelho Martins, presidente da Vale Inco, subsidiária da Vale no Canadá. Apenas quatro dos 11 membros do conselho de administração participaram da negociação com Ferreira.
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Gigante: a empresa tem operações em 38 países. Em sentido horário, a sede no Rio; produtora de manganês em Dunkerke,
França; mina de carvão Integra, na Austrália; e planta de cobre Tres Valles, no Chile
O grupo era formado por um representante de cada acionista: Luciano Coutinho, pelo BNDES, Oscar Camargo, pela Mitsui; Mário da Silveira Teixeira Junior, pela Bradespar, e Ricardo Flores, pela Previ. Prevaleceram para a decisão, não apenas a proximidade anterior de Ferreira com Dilma, ao tempo em que a presidente ocupava o ministério das Minas e Energia, como sua longa experiência no setor de mineração e sua habilidade política. Até hoje sua passagem pela Vale Inco é bem avaliada pelos sindicatos de trabalhadores canadenses, ao contrário de Martins que acumulou desafetos pela forma como lidou com uma greve que durou um ano, em 2009.
Quando assumir a Vale, um colosso que faturou US$ 46,5 bilhões em 2010, emprega mais de 119 mil funcionários e está presente em 38 países, Ferreira terá três decisões espinhosas à sua espera. A primeira é se a mineradora entrará no lugar do grupo Bertin, na construção da hidrelétrica de Belo Monte. Depois, terá de avaliar se fará uma eventual aceleração dos projetos em siderurgia. E por fim, vai negociar a cobrança de royalties sobre minério de ferro.
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São exatamente os dois primeiros projetos que assustam ao mercado, preocupado com a possibilidade de que o governo force a Vale a entrar em áreas não tão lucrativas como a exploração de minério, o que poderia derrubar suas margens. ?Não faz sentido. A empresa não pode concorrer com o seu principal cliente?, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, referindo-se à China. Essa visão, embora majoritária entre os críticos das mudanças não companhia, encontra opositores.
?A Vale precisa se diversificar e caminhar para outra etapa que é a siderurgia?, afirma Evaldo Alves, professor de economia internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Alves seguramente está de olho nas perspectivas mais do que favoráveis para o setor siderúrgico nos próximos anos, por conta das obras de infraestrutura para eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas e o boom da construção civil, que exigirão um substancial aumento da produção de aço no País.
No entanto, qualquer que seja a decisão de Ferreira, nada deve mudar a rota da companhia na direção de resultados positivos no curto prazo. ?A Vale tem um cenário muito favorável pela frente, pois o mercado de commodities, em que ela atua, vai muito bem?, diz Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper. Em outras palavras: é pouco provável que a nova direção venha a comprometer todo o trabalho feito desde a privatização.
?Uma mineradora do porte da Vale é como um grande transatlântico, que não faz mudanças de curso minuto a minuto?, afirma o embaixador Jório Dauster, que presidiu a Vale entre 1999 e 2001. ? Para sobreviver em um ambiente altamente competitivo, é preciso ter um horizonte de planejamento muito amplo.? Isso significa dizer que apenas erros estratégicos graves e sucessivos destruiria o valor da Vale. Não parece ser o caso.
Afinal, Ferreira é um executivo considerado experiente pelo mercado. Além disso, os investimentos de US$ 24 bilhões, previsto para 2011, devem ser mantidos. Deste valor, 63,8% (US$ 15,3 bilhões), serão aplicados no Brasil, onde se encontra a maioria dos ativos da companhia. Para o Canadá, que concentra a maior parte dos projetos de níquel, foi destinado US$ 1,9 bilhão. Argentina, China, Austrália, Indonésia, Omã, Malásia, Peru, Colômbia, Libéria e Zâmbia também vão receber investimentos.
Uma parte dos recursos deve ser aplicada em projetos de siderurgia. Apesar da discussão pública sobre a atuação ? ou não ? da Vale nessa área, a companhia há tempos já investe no setor. Atualmente, a empresa é dona de uma fatia de quase 30% da ThyssenKrupp CSA Siderúrgica do Atlântico, no Rio de Janeiro, que consumiu investimentos de 5,2 bilhões de euros e entrou em operação em junho de 2010.
Três outros projetos ? no Pará, Ceará e Espírito Santo ? estão em andamento. Os investimentos previstos nessa área são estimados em US$ 22 bilhões até 2016. Os dois principais concorrentes da Vale na mineração, a BHP Billiton e Rio Tinto, têm como princípio não investir em siderurgia. Mas a Vale, desde os tempos de estatal, foi sócia de siderúrgicas, como a Usiminas e a Companhia Siderúrgica do Tubarão, CSN e Gerdau/Açominas, e essa estratégia foi preservada com a privatização, ao contrário do que muita gente pensa hoje em dia.
?Já privatizada, firmou-se o conceito de que a Vale deveria participar da produção de aço, desde que fosse a fornecedora exclusiva do minério, obtendo assim um mercado cativo e participando do ganho de valor resultante da venda do bem manufaturado?, afirma Dauster, que passou o posto a Agnelli, quando deixou a presidência da Vale.
Durante os 10 anos que esteve à frente da Vale, Agnelli trouxe resultados financeiros indiscutíveis. O valor de mercado da companhia saltou de US$ 9,2 bilhões, em 2001, para US$ 176,2 bilhões. Além de sua capacitação como gestor, contribuiu para isso, sem duvida os ventos favoráveis no mercado mundial, em especial o apetite da China por minérios.
Em 2010, as exportações para o mercado chinês responderam por 32% das receitas da companhia. Mas o seu foco excessivo no desempenho, nos dividendos e o personalismo acabaram fazendo com que criasse muitas áreas de atrito, principalmente junto ao governo. Tais características compõem o que os especialistas em gestão chamam de ?estilo imperial?, próprio de executivos que se colocam acima da empresa, não admitem discussões e críticas e tomam decisões de forma unilateral.
?Roger achava que a Vale era dele?, diz uma fonte do governo. Mas não somente isso. Faltou-lhe também a capacidade de discernir o que eram seus interesses pessoais ? e legítimos ? dos interesses dos acionistas, sobretudo dos que lhe davam sustentação, como o Bradesco.
Até o final, o processo de saída de Agnelli foi conflituoso. Depois da reunião do conselho da Valepar, que sacramentou o nome de Murilo Ferreira, na segunda-feira 4, Ricardo Flores, presidente da Previ e presidente do conselho de administração da Vale, comunicou a decisão a Agnelli.
Este teria reagido mal, dizendo ?lamentar? a escolha e informando que não participaria da sua divulgação. Na quarta-feira 6, no entanto, o atual presidente da Vale encontrou-se com o seu sucessor e deu início a transição. ?Agora queremos uma gestão sobretudo técnica, com esta visão de longo prazo?, afirmou um representante de um dos sócios.
A extrema discrição de Ferreira, um executivo conciliador, não personalista e adepto do trabalho em equipe é um trunfo na nova fase da Vale. Segundo executivos próximos a Ferreira, ele tem ?tradição de trabalhar com todos os acionistas?. Com mais de 30 anos de experiência em mineração, ele ficou entre 1998 e 2009 na Vale.
Começou na mineradora como diretor da Vale do Rio Doce Alumínio (Aluvale) e exerceu vários cargos executivos até sair como presidente da Vale Inco (atual Vale Canadá). Pós-graduado pela IMD Business School, na Suíça, o executivo foi responsável por vários processos de aquisição, inclusive o da Inco, negociado em 2006 e fechado por US$ 18,3 bilhões, a maior compra da história da companhia.
Um executivo que trabalhou com ele no Canadá diz que Ferreira, embora seja ?humilde e goste de diálogo?, é exigente em relação a resultados. Depois de um período em que trabalharam afinados, coordenando o processo de expansão da mineradora, Ferreira teve uma discordância com Agnelli em relação à tentativa obstinada de aquisição da anglo-suíça Xstrata, em 2008.
Esse motivo costuma ser apontado como a razão de sua saída da companhia. ?Ele discordou de algumas condições do negócio. Este foi o pano de fundo, mas não a razão principal", diz um amigo. A decisão de sair foi tomada quando Ferreira teve um princípio de enfarte e resolveu afastar-se da vida executiva por um período.
Fora da Vale, ele montou com Gabriel Stoliar, outro ex-executivo da mineradora, a gestora de recursos Studio Investimentos, que abriu as portas no início de 2009 no Rio de Janeiro. Há pouco mais de um mês, para surpresa de Stoliar, Ferreira avisou-o que estava voltando à carreira executiva. Mas manteve em segredo o seu destino. Depois da confirmação, ligou para amigos comemorando a indicação. A partir de 21 de maio, quando sentará na cadeira que pertenceu a Agnelli por 10 anos, terá a missão de mudar a Vale, sem deixar que ela perca o rumo.
Colaborou Wilson Aquino
?Não vejo problema em haver discordâncias?
O presidente indicado da Vale, Murilo Ferreira, promete fazer uma gestão conciliadora, aceitando a existência de divergências na diretoria da companhia. Trata-se de um estilo diametralmente oposto ao de seu antecessor, Roger Agnelli, conhecido pela baixa tolerância a críticas ou desacordos em relação a suas decisões. Ao longo da semana passada, Ferreira ligou para amigos na Vale para comemorar a decisão dos acionistas. Na quarta-feira 6, ele participava de reuniões em sua casa, no bairro do Leblon, no Rio de Janei-ro, quando concedeu entrevista exclusiva à DINHEIRO.
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Murilo Ferreira: "Tenho uma boa formação técnica, entro muito nos detalhes dos assuntos"
Como será a sua gestão na Vale?
Sou uma pessoa muito discreta, isso faz parte da minha personalidade. Tenho uma boa formação técnica e entro muito nos detalhes dos assuntos. Nos 11 anos de Vale, passei por três administrações diferentes e sempre trabalhei muito com as equipes. Fui colocado em posições de alguma exposição, mas procurei sempre beneficiar as minhas equipes, que também são responsáveis pelos resultados. Não vejo problema em haver discordâncias, é saudável que haja pontos de vista diferentes em uma equipe. Vamos discutir o plano dos acionistas para a empresa e executá-lo da melhor forma possível. É uma coisa bem ao estilo do mineiro que eu sou.
O sr. saiu da Vale por discordar da tentativa de aquisição da Xstrata?
Saí um pouco depois desse episódio. Estava muito cansado. Tinha participado de vários projetos muito demandantes na Vale. Foi um período de abrir novas portas.
A Vale vai participar do consórcio da usina de Belo Monte?
Não conheço os detalhes financeiros e societários do projeto, por isso não gostaria de falar muito sobre o assunto. Até agora fui apenas indicado para a presidência da Vale. Ficaria muito constrangido em me manifestar antes da aprovação final, pelos acionistas e pela companhia. Gostaria de esperar a confirmação e discutir com os acionistas antes de me pronunciar sobre esse assunto.
A companhia aumentará os investimentos em siderurgia?
Acho que isso é uma coisa que precisa ser discutida com os acionistas, primeiro, antes de eu me manifestar.
O sr. tem uma boa relação com a presidente Dilma Rousseff?
Não tenho uma relação com ela hoje. Tivemos uma boa relação profissional naquela época (quando Dilma era ministra das Minas e Energia e Ferreira, executivo da Aluvale).
(Tatiana Bautzer)
Agnelli não era infalível
Os números dos dez anos de Roger Agnelli à frente da Vale são indiscutíveis. Nos últimos dois anos, os feitos e desempenho da companhia, sob sua batuta, foram repetidos à exaustão, em uma estratégia articulada para justificar a permanência do executivo à frente da maior empresa privada do Brasil e segunda maior mineradora do mundo.
No entanto, não há apenas vitórias nessa trajetória. O episódio mais marcante de revés, que colocou em xeque a eficiência de Agnelli, foi, sem dúvida, o da tentativa de compra da anglo-suíça Xstrata, a maior produtora de níquel do mundo, em 2008. A ideia era que, caso fosse concluído, o negócio tornasse a Vale a maior mineradora do mundo. Na verdade, como se verificou depois, a compra teria deixado a empresa numa situação, no mínimo, delicada.
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Roger Agnelli: plano do executivo para comprar a Xstrata quase abalou a Vale em 2008
Agnelli era o principal defensor da compra da Xstrata, cujo valor estimado inicialmente pelo mercado era de US$ 50 bilhões, tendo aumentado com o desenrolar das negociações, chegando a US$ 70 bilhões. Segundo uma fonte do conselho de administração da Vale, que acompanhou as negociações, Agnelli era favorável a elevar o preço até que saísse o negócio. Os acionistas da empresa, contudo, impuseram um teto próximo de US$ 60 bilhões para a negociação. ?Agnelli argumentava que tinha de fazer o negócio, ainda que o preço fosse maior, mas foi voto vencido?, afirma a fonte.
A Previ, em especial, bateu o pé no limite de preço. A Vale chegou a fechar um pacote de financiamento de US$ 50 bilhões, com um consórcio de bancos, para financiar a compra. As negociações se estenderam entre janeiro e abril de 2008, um pouco antes da eclosão da crise financeira internacional, em outubro de 2008. A decisão de não fechar a transação acabou mostrando-se acertada, pelo menos no curto prazo.
No final do mesmo ano, já sob o efeito da crise, o valor de mercado da Xstrata havia caído para cerca de US$ 18 bilhões. Na diretoria da mineradora, entre os que se opunham à operação, estava Murilo Ferreira, o homem nomeado pelos acionistas para suceder Agnelli, que à época dirigia a Vale Inco, no Canadá.

http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/54090_MUDANCA+DE+RUMO+NA+VALE

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